sábado, outubro 27

sonhos em preto e branco


















Esta sou eu, descalça nas enxurradas,

manhãs esperançadas.

Esta sou eu, adolescente,

indo ao colégio, olhos fixos

na estrela vespertina.

Esta sou eu, lendo à luz da lamparina

na madrugada,

olhos percorrendo páginas amarelas,

passeando por poemas barrocos

na companhia de estrelas foscas.

Esta sou eu, espiando por entre balaustras

o sobrinho do professor de francês,

seus olhos verdes, sua pele jambo,

na varanda da casa da esquina.

Esta sou eu, na mesa do café da manhã,

ouvindo a pergunta diária do pai:

— teve sonhos coloridos ou em preto e branco?

Dez anos, pequenina cidade de Peabiru.

Quantas mentiras meus olhinhos beberam

no Cine Vera?

Amor passeando de lambreta

rasgando ruas de Roma,

a beleza exótica — Troy Donahue,

a professorinha enamorada

na garupa...

O amor idealizado

"Candelabro italiano"

...

o amor se apresentou a mim:

Al di la...

Del sogno piu ambizoso,

delle cose più belle.

delle stelle

del mare piu profondo,

del limiti del mondo,

della volta infinita...

Al di la della vita.

...

Esfarrapado e imundo

dei de cara com ele, enfim,

mendigo extraviado

que implora pra ser notado.

Eis o amor,

despejado

humilhado

não vive em estrelas

nem mar profundo,

nem no limite do mundo,

está sempre no meio do caminho

pedra

poema

estirado

cão sublime à espera

de um dono franciscano

que o acolha

com todas as chagas

e enganos.

(Bárbara Lia)


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